Via João Machado, no blog Estrolabio
Jean-Léon Gérôme - por Manuela Degerine
Concluíram-se esta semana em Paris duas grandes retrospectivas que atraíram multidões: a obra de
Claude Monet. E, facto mais surpreendente, a obra de Jean-Léon Gérôme. Este pintor especializou-se
na chamada pintura de história e as suas imagens da Antiguidade continuam mundialmente conhecidas
por o cinema as ter reproduzido: a morte de César, o combate de gladiadores, o cristãos lançados
às feras... Pela nitidez da imagem, pelo rigor arqueológico, pelo sentido da encenação e do movimento,
valores cinematográficos, Gérome atraiu – e mesmo formou – o olhar dos realizadores, de Enrico
Guazzoni (1913) a Ridley Scott. E dos espectadores... Enquanto vivo, Jean-Léon Gérôme foi dos artistas
mais cotados, teve todas as honras, sucessos e poderes hierárquicos no mundo da pintura – e soube tirar
partido económico disto. Casado com a filha de um editor, o proprietário da empresa Goupil, Gérôme não
inventou a reprodução mas deu-lhe projecção mundial. Claro que lhe interessava vender ao duque de
Aumale, à família do Imperador ou a milionários americanos mas, negociada uma obra, restavam-lhe
ainda os produtos derivados... Não menos lucrativos. Assim, por exemplo, vende o óleo sobre tela dos
gladiadores (Pollice Verso, 1859; que agora pertence à colecção do Phoenix Art Museum) e depois, pelo
mundo inteiro, a quem que não pode comprar originais, isto é, à maioria, vende milhares de cópias, da
mais barata à mais onerosa: postais, gravuras, fotografias, bronzes com as mesmas figuras. Gérôme
]beneficiou de um sucesso opulento enquanto os impressionistas morriam de fome; talvez também
por isto tenha mais tarde suscitado tão imenso desdém. Gérôme manteve a exigência de nitidez na
imagem e a fascinação de um além, que tanto se podia situar no tempo, a Antiguidade ou a cena
bíblica, como no espaço (viajou pelo Egipto e Palestina, pintou – no atelier – cenas de rua) ou até no
imaginário (alegorias como Tanagra ou a Verdade a sair do poço), por conseguinte rejeitou o que
considerava vazio, trivialidade ou inacabado na pintura que passou a ser designada como
Impressionismo. Simetricamente os impressionistas e posteriores vanguardas, a partir do momento
em que se tornaram estética dominante, troçaram da sua pintura, negando-lhe todo o valor, qualificando
o pintor como pompier, "bombeiro", por verem capacetes metálicos nas cenas de circo. Esta exposição do
Museu de Orsay foi a primeira desde a morte de Jean-Léon Gérôme em 1904. Passou-se entretanto mais
de um século... E o próprio Claude Monet já em 1926, quando faleceu, fazia figura de comendador perante
as vanguardas – mesmo com Nymphéas, a fascinante obra, quase abstracta, que legou ao Estado.
Por consequência agora, tendo inevitavelmente visto imagens impressionistas reproduzidas até à saturação
em canecas e caixas de chocolate, numa época que quase aboliu a pintura e se compraz, há cem anos,
em instalações mais ou menos inventivas, podemos observar a pintura de Gérôme com outros olhos.
Em primeiro lugar, as cenas da Bíblia ou da Antiguidade interessam-nos pelo que representam no imaginário
do século XIX e pela influência que vieram a ter no cinema; também é interessante verificar como Gérôme
consegue, com frequência, inventar um ponto de vista novo em temas tão exaustos como
– por exemplo – a Crucifixação (1867): os últimos espectadores desaparecem na primeira curva do
caminho pedregoso que desce na direcção de Jerusalém. E, no cimo do monte, projectadas no chão,
vemos a sombra de três cruzes...
Claude Monet. E, facto mais surpreendente, a obra de Jean-Léon Gérôme. Este pintor especializou-se
na chamada pintura de história e as suas imagens da Antiguidade continuam mundialmente conhecidas
por o cinema as ter reproduzido: a morte de César, o combate de gladiadores, o cristãos lançados
às feras... Pela nitidez da imagem, pelo rigor arqueológico, pelo sentido da encenação e do movimento,
valores cinematográficos, Gérome atraiu – e mesmo formou – o olhar dos realizadores, de Enrico
Guazzoni (1913) a Ridley Scott. E dos espectadores... Enquanto vivo, Jean-Léon Gérôme foi dos artistas
mais cotados, teve todas as honras, sucessos e poderes hierárquicos no mundo da pintura – e soube tirar
partido económico disto. Casado com a filha de um editor, o proprietário da empresa Goupil, Gérôme não
inventou a reprodução mas deu-lhe projecção mundial. Claro que lhe interessava vender ao duque de
Aumale, à família do Imperador ou a milionários americanos mas, negociada uma obra, restavam-lhe
ainda os produtos derivados... Não menos lucrativos. Assim, por exemplo, vende o óleo sobre tela dos
gladiadores (Pollice Verso, 1859; que agora pertence à colecção do Phoenix Art Museum) e depois, pelo
mundo inteiro, a quem que não pode comprar originais, isto é, à maioria, vende milhares de cópias, da
mais barata à mais onerosa: postais, gravuras, fotografias, bronzes com as mesmas figuras. Gérôme
]beneficiou de um sucesso opulento enquanto os impressionistas morriam de fome; talvez também
por isto tenha mais tarde suscitado tão imenso desdém. Gérôme manteve a exigência de nitidez na
imagem e a fascinação de um além, que tanto se podia situar no tempo, a Antiguidade ou a cena
bíblica, como no espaço (viajou pelo Egipto e Palestina, pintou – no atelier – cenas de rua) ou até no
imaginário (alegorias como Tanagra ou a Verdade a sair do poço), por conseguinte rejeitou o que
considerava vazio, trivialidade ou inacabado na pintura que passou a ser designada como
Impressionismo. Simetricamente os impressionistas e posteriores vanguardas, a partir do momento
em que se tornaram estética dominante, troçaram da sua pintura, negando-lhe todo o valor, qualificando
o pintor como pompier, "bombeiro", por verem capacetes metálicos nas cenas de circo. Esta exposição do
Museu de Orsay foi a primeira desde a morte de Jean-Léon Gérôme em 1904. Passou-se entretanto mais
de um século... E o próprio Claude Monet já em 1926, quando faleceu, fazia figura de comendador perante
as vanguardas – mesmo com Nymphéas, a fascinante obra, quase abstracta, que legou ao Estado.
Por consequência agora, tendo inevitavelmente visto imagens impressionistas reproduzidas até à saturação
em canecas e caixas de chocolate, numa época que quase aboliu a pintura e se compraz, há cem anos,
em instalações mais ou menos inventivas, podemos observar a pintura de Gérôme com outros olhos.
Em primeiro lugar, as cenas da Bíblia ou da Antiguidade interessam-nos pelo que representam no imaginário
do século XIX e pela influência que vieram a ter no cinema; também é interessante verificar como Gérôme
consegue, com frequência, inventar um ponto de vista novo em temas tão exaustos como
– por exemplo – a Crucifixação (1867): os últimos espectadores desaparecem na primeira curva do
caminho pedregoso que desce na direcção de Jerusalém. E, no cimo do monte, projectadas no chão,
vemos a sombra de três cruzes...
Gérôme é mais do que um pintor académico. Descobrimos na exposição retratos de
figuras contemporâneas: por exemplo do arquitecto da ópera de Paris – Charles Garnier –
ou da actriz Sarah Bernardt. Ou imagens que se ligam com o imaginário decadente, simbolista
e expressionista do fim-de-século: Cabeça feminina enfeitada com cornos (1853) mostra uma
bela e enigmática rapariga; A Verdade a sair do poço (1896) é alegorizada através de uma figura
feminina cujo rosto exprime o horror. Gêrome foi igualmente exímio nos jogos de espelho, as
obras que contêm outras obras, assim como nas metamorfoses e passarelas entre criação
e realidade: um trabalho que ainda nos fascina. Após Pigmalião e Galateia (1890) continua a
aprofundar este trabalho. Vejamos o caso da escultura Tanagra... Tanagra é o local onde no século
XIX os arqueólogos encontraram graciosas figuras gregas que agora vemos nos museus e que,
]como muitas outras escultura da Antiguidade, conservam vestígios de policromia. Ora Gêrôme
representou alegoricamente este espaço arqueológico através de uma figura feminina nua e sentada
num bloco de argila – fazendo portanto parte dele – no qual começam a surgir as tais estatuetas.
E Tanagra mostra ao espectador uma destas esculturas (inventada pelo artista). Mas Gérôme também
pintou um auto-retrato no qual vemos o artista no atelier acabando o polimento desta escultura com, ao
lado da obra, a rapariga que serviu de modelo (O Trabalho do Mármore, 1895). E, noutro quadro,
Sculpturae vitam insufflat pictura (1893), representa um atelier onde, na Grécia antiga, se fabricam
e vendem as figuras de Tanagra: não só uma rapariga – alegoria da pintura – pinta exemplares da
figura de Tanagra por ele inventada, mas até a própria escultura Tanagra aparece exposta no balcão...
para ser vendida. Não se pode dizer que os auto-retratos de Gerôme sejam convencionais. Em La fin
de la séance(1886) volta a representar-se no atelier de escultura, no momento em que acaba de concluir
o trabalho do dia: para a argila não secar, a modelo, ainda nua, com um gesto gracioso, cobre a obra de
panos húmidos enquanto, de cócoras, o artista lava o material... A minúcia e dinâmica da representação
contém afinal uma grande modernidade, impondo Gérôme como antepassado desta arte plástica ainda por
inventar: a banda desenhada.
figuras contemporâneas: por exemplo do arquitecto da ópera de Paris – Charles Garnier –
ou da actriz Sarah Bernardt. Ou imagens que se ligam com o imaginário decadente, simbolista
e expressionista do fim-de-século: Cabeça feminina enfeitada com cornos (1853) mostra uma
bela e enigmática rapariga; A Verdade a sair do poço (1896) é alegorizada através de uma figura
feminina cujo rosto exprime o horror. Gêrome foi igualmente exímio nos jogos de espelho, as
obras que contêm outras obras, assim como nas metamorfoses e passarelas entre criação
e realidade: um trabalho que ainda nos fascina. Após Pigmalião e Galateia (1890) continua a
aprofundar este trabalho. Vejamos o caso da escultura Tanagra... Tanagra é o local onde no século
XIX os arqueólogos encontraram graciosas figuras gregas que agora vemos nos museus e que,
]como muitas outras escultura da Antiguidade, conservam vestígios de policromia. Ora Gêrôme
representou alegoricamente este espaço arqueológico através de uma figura feminina nua e sentada
num bloco de argila – fazendo portanto parte dele – no qual começam a surgir as tais estatuetas.
E Tanagra mostra ao espectador uma destas esculturas (inventada pelo artista). Mas Gérôme também
pintou um auto-retrato no qual vemos o artista no atelier acabando o polimento desta escultura com, ao
lado da obra, a rapariga que serviu de modelo (O Trabalho do Mármore, 1895). E, noutro quadro,
Sculpturae vitam insufflat pictura (1893), representa um atelier onde, na Grécia antiga, se fabricam
e vendem as figuras de Tanagra: não só uma rapariga – alegoria da pintura – pinta exemplares da
figura de Tanagra por ele inventada, mas até a própria escultura Tanagra aparece exposta no balcão...
para ser vendida. Não se pode dizer que os auto-retratos de Gerôme sejam convencionais. Em La fin
de la séance(1886) volta a representar-se no atelier de escultura, no momento em que acaba de concluir
o trabalho do dia: para a argila não secar, a modelo, ainda nua, com um gesto gracioso, cobre a obra de
panos húmidos enquanto, de cócoras, o artista lava o material... A minúcia e dinâmica da representação
contém afinal uma grande modernidade, impondo Gérôme como antepassado desta arte plástica ainda por
inventar: a banda desenhada.
Decorrido um século após a anátema de Gérôme, deixamos de opor este artista aos impressionistas e
podemos devolver-lhe o lugar que teve no imaginário e criatividade do século XIX. Reconhecemos Gérôme
e Monet como antepassados: sem um ou sem o outro não seríamos os mesmos.
podemos devolver-lhe o lugar que teve no imaginário e criatividade do século XIX. Reconhecemos Gérôme
e Monet como antepassados: sem um ou sem o outro não seríamos os mesmos.
Atualização - 18/04/2019
como algumas pessoas comentaram, a lenda é do século XIX e não XXI
Como os erros nos levam a novos acertos e a verdades, ao pesquisar sobre a datação,
se nos apresentaram uma outra bela imagem, veja esta imagem de um post de Florisvaldo, link abaixo
A Mentira e a Verdade… Nua e Crua, por Leandro Zanon
O texto abaixo é atribuído a uma parábola judaica sobre a verdade e a mentira.
Por certo reproduz muitas das situações que diariamente enfrentamos em nosso cotidiano, em que os cenários que se nos apresentam nem sempre são aquilo que aparentam ser. Ei-la, pois!
Certa vez, a Mentira e a Verdade se encontraram.
A Mentira, dirigindo-se à Verdade, disse-lhe:
– “Bom dia, dona Verdade!”
Zelosa de seu caráter, a Verdade, ouvindo tal saudação, foi conferir se realmente era um bom dia. Olhou para o alto, não havia nuvens de chuva; os pássaros cantavam; não havia cheiro de fumaça na mata; tudo parecia perfeito.
Tendo se assegurado de que realmente era um bom dia, respondeu:
– “Bom dia, dona Mentira!”
– “Está muito calor hoje, não é mesmo”, disse a Mentira.
Realmente o dia estava quente demais. Desse modo, vendo que a mentira estava sendo sincera, começou a relaxar, a “baixar a guarda”. Por qual razão haveria de desconfiar, se a Mentira parecia tão cordial e “verdadeira”?
Diante do calor insuportável, a Mentira, num gesto de aparente amizade, convidou a Verdade para juntas banharem-se no rio.
Como não havia mais ninguém por perto, a Mentira despiu-se de suas vestes, pulou na água e, dirigindo-se à Verdade, disse-lhe, insistentemente:
– “Vem, dona Verdade, a água está uma delícia, simplesmente maravilhosa.”
O convite parecia irrecusável. Assim sendo, dona Verdade, sem duvidar da Mentira, despiu-se de suas vestes, pulou na água e deu um bom mergulho.
Ao ver que a Verdade havia saltado na água, rapidamente a Mentira pulou para fora, em segundos vestiu-se com as roupas da Verdade que estavam à margem e se mandou sorrateira.
Tendo suas roupas furtadas, a Verdade saiu da água e, por sua vez – ciosa de sua reputação -, recusou-se a vestir-se com as roupas da Mentira, deixadas para trás.
Certa de sua pureza e inocência, nada tendo do que se envergonhar e não tendo outra opção que lhe fosse coerente, saiu nua a caminhar na rua.
Desde então, aos olhos das pessoas, ficou mais fácil aceitar a Mentira vestida com as roupas da Verdade do que aceitar a Verdade nua e crua.
A reflexão é livre
http://pensamentoliquido.com.br/a-mentira-e-a-verdade-nua-e-crua/
Tendo suas roupas furtadas, a Verdade saiu da água e, por sua vez – ciosa de sua reputação -, recusou-se a vestir-se com as roupas da Mentira, deixadas para trás.
Certa de sua pureza e inocência, nada tendo do que se envergonhar e não tendo outra opção que lhe fosse coerente, saiu nua a caminhar na rua.
Desde então, aos olhos das pessoas, ficou mais fácil aceitar a Mentira vestida com as roupas da Verdade do que aceitar a Verdade nua e crua.
A reflexão é livre
http://pensamentoliquido.com.br/a-mentira-e-a-verdade-nua-e-crua/
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